Marina Colasanti e Marco Bahrone
Passei por ele várias vezes. Em meio à multidão, mantinha-se imóvel. À noitinha passei outra vez, estava de olhos fechados. Meu deus! -pensei - adormeceu! vai cair, se machucar! Mas não, tornei a passar mais tarde, o arcanjo dourado, belas asas, espada em punho, estava desperto e ainda imóvel. Era uma estátua viva.
Li um romance certa vez - esqueço o título e peço perdão- da escritora portuguesa Lídia Jorge, em que a personagem principal era uma estátua viva, um jovem apaixonado pelo seu fazer que, decidido a levar adiante o tempo da sua performance, aumenta o tempo de imobilidade minuto a minuto, um pouco mais a cada vez, até, de imobilidade, morrer. Essa história aflora em mim cada vez que me deparo com estátuas vivas, e me levou a vê-las com olhar inquieto, protetor, como se cada uma dessas pessoas imóveis em seus pedestais estivesse em risco. Risco de mover-se e estragar pose e trabalho, risco de não mover-se e ficar preso na pose para sempre.
Semana passada, porém, no XIX Congresso Brasileiro de Poesia, em Bento Gonçalves, a porta de um elevador se abriu, e dele saiu uma estátua viva em movimento. Era de bronze e levava um cajado na mão e uma sacola às costas. Ia para a praça, imobilizar-se. Na sacola, o seu pedestal. E estando ainda maleável o metal de que era feito, pareceu-me permitido interrogá-lo.
Bahrone – esse seu nome de arte – é estátua por fora e poeta por dentro. As suas estátuas variam, faz 14 diferentes, mas o poeta é sempre o mesmo. E se manifesta quando alguém deposita dinheiro a seus pés para, em troca, receber um poema. Bahrone então desce do pedestal e cheio de movimentos recita Shakespeare, ou Drummond, ou Pessoa, ou um dos tantos poetas do seu repertório. Um repertório que, se declamado todo de uma vez, preencheria duas horas. É nesse caudal de poesia que Bahrone pensa enquanto está imóvel.
Trancado na estátua que escolheu, um poema atrás do outro fluem silenciosos debaixo da pele de bronze, da pele de prata, da pele de mármore ou ouro.
Quem passa, não sabe. Vai, volta horas mais tarde, a estátua está lá, devidamente estática. Parece a mesma, e não é. Por dentro dessa estátua, o poema que desenrola suas palavras como filme ou musica é outro, outra a época e a mão que o escreveu. A estátua só consegue manter-se imóvel porque viaja.
Quanto tempo uma estátua viva agüenta ser estátua? O recorde mundial, de um irlandês, é de dez horas e vinte e dois minutos de imobilidade absoluta, sem qualquer interrupção. Olho esses dois minutos finais e estremeço. Um minuto a mais, me pergunto, o que teria provocado no organismo imóvel?
Amanhã mesmo, depois deste feriado, vou chegar em classe, a minha primeira turma é a 112 (uma turma de primeiro ano do EM), e vou acessar o blog para ler este texto da Marina. Vai ser massa!!
ResponderExcluirAdriana Abreu
Barhone é uma figura ímpar. Além do repertório poético diversificado e de alto nível é uma pessoa simpática.
ResponderExcluirEm Bento Gonçalves, em Porto Alegre no Brique da Redenção, ele e seus personagens trazem a poesia para quem quiser ouví-la.
Abração pro Barhone e parabéns pelo belo artigo da sempre excelente Marina Colasanti.
Ricardo Mainieri
Um lindo texto de Marina Colasanti sobre um belo poeta que se permite estatualizar em praça pública para dar mobilidade e graça à poesia, às pessoas que se permitem parar um pouco o tempo da correria de cada dia. As palavras de Colasanti são um poema sobre as poesias de Bahrone, que conheci em 2008, quando em Bento estive. É certo que ele se renova a cada poesia, a cada "estátua" vivida. É certo que tem se superado a cada ano, a cada nova interpretação que realiza. Parabéns a todos os que estiveram em Bento Gonçalves nesse ano de 2011. Parabéns a Marina Colasanti por captar a beleza e a graça que tem Bahrone em suas criações. Parabéns a Bahrone por se transformar, sendo o mesmo. Um grande abraço do poeta Chico Araujo.
ResponderExcluirQue ótimo texto, que bonita postagem, que instigante e sensível reflexão!!! Parabéns pelo blog, abraços alados azuis!!!
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